Pra quem já mordeu um cachorro por comida

Tiago Torres
3 min readApr 14, 2022

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foto: Feijão preto via flickr.

Aqui no Medium eu ensaio. Reflito sobre algumas questões, testo estilos literários, busco novas formas de fazer a magia acontecer. De continuar acontecendo. Escrevo sobre temas mais abrangentes, compromissado somente com o ato, o fazer ritualístico. Sento, contraio o abdômen para não sobrecarregar a coluna, faço meus exercícios. Dá trabalho, escrever.

Esse trabalho que na maioria das vezes passa despercebido por quem lê, por quem apenas consome, frequenta, observa — de fora. São horas encarando uma folha em branco, dias de atenção extrema, de foco singular (tudo isso por todo lugar o tempo todo enquanto acordo 6h da manhã pra pegar ônibus cheio, estudo/pesquiso, existo). Suspeito que o cansaço mental às vezes supera o físico, mas escrevendo ganhamos os dois. Sem medir esforços, assim como muitos outros antes de mim, canalizo questões na direção do pensamento. Na direção da dúvida, nunca da certeza, quase nunca de respostas aparentes.

Através da escrita, pergunto. Influenciado por muitas causas, como indignações e a atitude de não mais engolir seco, traço efeito dominó dando corpo para o alquebrado, para o desconexo. Quantos trabalhos a gente tem?

Tão difícil quanto o ofício de escritor, é a condição precária de ter que vender seu próprio peixe. Falando de forma superficial: o sistema-mercado-algoritmo não permite alcance para vozes subalternizadas. Vozes essas que não se consideram inferiores (não são), que não agem de forma submissa e que justamente por escreverem — por estarem fazendo algo que não esperam que façam, que não querem que façam — estão desobedecendo a “ordem” imposta. Dá trabalho, lutar.

Luta essa, que é diária. Luta qual conquistamos através do ato. Luta que carrega/envolve axé, que encurrala valores alheios, que põe na parede princípios de outros, que cobra o comportamento páreo ao que se pensa. Luta que dói, que machuca, faz chorar, anseia. É feio demais, não tem como romantizar, é o dramático menos teatral possível, mas a beleza está no contínuo. No que perpassa, prossegue e diz para o agora mirando o posterior. Muita luta!

Sofro todos os dias pensando em formas criativas de lidar com meus problemas. Não preciso tanto de reconhecimento e admiração quanto preciso de dinheiro. Sei fazer pouca coisa ou quase nada que não se relacione com arte, com vídeo, com escrever. Agora que cheguei num ponto importante de minha trajetória enquanto [eu] artista, apesar dos caça-níqueis e do mau olhado (e o fato de ser um pobre da classe trabalhadora), tento calar o que grita de fora para continuar imortalizando a voz que vem de dentro. Faminta que ela é, o alto preço pago com sangue, suor e lágrimas para se alimentar é algo que a irrita, que a incomoda, que a faz verter em fúria, cuspir ódio. Movimento que quer derreter o que há, desmanchar, para depois moldar de outra forma. A gente num quer, a gente tem que.

Pra quem já mordeu um cachorro por comida, até que eu cheguei longe. Agora estou vendendo meus livros para comprar feijão e continuar sobrevivendo, no desejo que um dia consiga viver dos meus livros — de minhas palavras — comendo feijão e não precisando mais falar dessas coisas que vocês dizem que são repetitivas/cansativas e chatas de discutir.

Compre meu livro.

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